quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Crônica número 1 - O verbo zapzapear


Hoje tive a dimensão do fenômeno que é o WhatsApp. Antes que alguém pergunte, eu continuo sem ter, talvez um dia quem sabe. Ainda não senti vontade de aderir a essa nova tecnologia. 

Fiquei uma hora e meia no engarrafamento, e meus ouvidos já não aguentavam mais ouvir tantos assobios, não, eu não estava sendo paquerada, infelizmente. Eram os passageiros conectados em seus WhatsApps. Todos pareciam usar cabresto, ou tapa, não sei exatamente como se chama, mas é aquele instrumento colocado nos cavalos para limitar sua visão. Enfim, cada um no seu mundinho zapzapeando

Passei então a admirar o tempo, totalmente fechado com nuvens carregadas, o céu estava cinza, me senti por um momento como se estive morando em São Paulo novamente, por um instante, senti saudades do tempo frio e cinzento. Foi quando observei os carros parados no engarrafamento e tive a audácia de contar: 12 motoristas dirigindo com uma mão só, a outra estava segurando o Smartphone. De repente ouço uma buzina bem forte e um som de freio, quase uma batida. O motorista de trás dispara: - tá maluco cara? O da frente não dá à mínima e faz um gesto com a mão para fora do carro. Ganha um doce quem adivinhar o que o motorista da frente estava fazendo: estava com a mão e os olhos vidrados no Smartphone.

Cheguei ao meu destino, como sempre eu ando muito rápido, mesmo estando em um Shopping Center, vou direto ao que me interessa, não tenho paciência para vitrines. Entrei numa loja para pedir informação sobre um produto, perguntei, recebi a resposta e até agora não sei como era a cara da pessoa que me atendeu, pois ela sequer olhou para mim, afinal, estava ocupada com seu Smartphone. Levei 3 trombadas, sendo que a última quase resultou em uma queda. Ganha outro doce quem adivinhar o motivo das trombadas: as outras pessoas estavam andando com os olhos grudados nos seus Smartphones. Passei então a andar por mim e pelos outros, pois não estava mais disposta passar vexame. Senti-me um piloto de fórmula um, pois eu desviava de praticamente todas as pessoas. Foi então que me dei conta de que elas estavam zapzapeando. Isso ficou martelando em minha cabeça: como seria a conjugação do novo verbo da língua portuguesa zapezapear? Eis a minha sugestão. 

Eu zapozapo
Tu zapazapas
Ele zapazapa
Nós Zapezapeamos
Vós Zapezapeais
Eles zapezapam

Tatiane Alcantara


terça-feira, 4 de novembro de 2014

Contemplação


É noite de lua cheia e eu a contemplo.
Meu olhar nela se fixa notívaga que sou.

Lua quase que incandescente, torna a noite transitável,
deixando em transe quem para ela olhar. 

A noite é o momento mais esperado do meu dia,
pois é quando anoitece que minha alma se alegra

A cor do mar iluminada pela luz da lua é a cor da vida,
e a lua é o olho de Deus que a todos pode alcançar.




Tatiane Alcantara

Ditadura? Intervenção Militar? Como assim?

26 de Junho, a passeata dos 100 mil

No dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura militar até então. A manifestação, iniciada a partir de um ato político na Cinelândia, pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o governo; dela participaram também intelectuais, artistas, padres e grande número de mães.


A passeata dos cem mil


Desde 67, o movimento estudantil tornou-se a principal forma de oposição ao regime militar. Nos primeiros meses de 68, várias manifestações tinham sido reprimidas com violência. O movimento estudantil manifestava-se não apenas contra a ditadura, mas também à política educacional do governo, que revelava uma tendência à privatização. A política de privatização tinha dois sentidos: era o estabelecimento do ensino pago (principalmente no nível superior) e outro, o direcionamento da formação educacional dos jovens para o atendimento das necessidades econômicas das empresas capitalistas (mão de obra especializada). Essas expectativas correspondiam a forte influência norte-americana exercida através de técnicos da USAID que atuavam junto ao MEC por solicitação do governo brasileiro, gerando uma série de acordos que deveriam orientar a política educacional brasileira. As manifestações estudantis foram os mais expressivos meios de denúncia e reação contra a subordinação brasileira aos objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano.
Prisões e arbitrariedade eram as marcas da ação do governo em relação aos protestos dos estudantes, e essa repressão atingiu seu apogeu no final de março com a invasão do restaurante universitário "calabouço", onde foi morto Edson Luís, de 17 anos.


Edson Luís



O fato, que comoveu e revoltou todo o país, serviu para acirrar os ânimos e fortalecer a luta pelas liberdades. Durante o velório do estudante, o confronto com policiais ocorreu em várias partes do Rio de Janeiro, sendo que o cortejo fúnebre foi acompanhado por 50 mil pessoas. Nos dias seguintes, manifestações sucediam-se no centro da cidade, com repressão crescente até culminar na missa da Candelária (2 de abril), em que soldados a cavalo investiam contra estudantes, padres, repórteres e populares.



Nos outros estados o movimento estudantil também ampliava seu nível de organização e mobilização; em Goiás, a polícia baleou 4 estudantes, matando um deles, Ivo Vieira.
Durante todo o ano de 68 as manifestações estudantis ocorreram, assim como intensificou-se a repressão, até a decretação do AI-5, em 13 de dezembro.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Gente

Gente é feito por gente
é feito de outra gente
que herda de tudo
da outra gente

gente aprende com gente
que desde cedo tem de ser gente
vai estudar, vai trabalhar para ser gente
mas já não era gente?

gente ouve desde cedo
que tem de respeitar os outros
os outros que também são gente
então gente tem de respeitar gente

gente que levanta cedo
que dá duro, que não para,
é tudo gente
assim como quem não faz nada. 

gente que sorri, que chora
que é triste e também alegre,
é gente como toda gente que
é e que continua fazendo gente

Tatiane Alcantara






segunda-feira, 27 de outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Vou virar poeta

Vou virar poeta!
É muito fácil!
Vou rimar amor com dor
e também com flor.

Pronto já sou poeta.
Aguardo aplausos!


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quanto ódio


Tem algumas pessoas fazendo postagens de puro ódio contra nós nordestinos. A desculpa é que não sabemos votar, por elegermos Dilma. Nós sabemos que não tem nada a ver com isso. É ódio mesmo, é desprezo, é recalque, afinal, se fosse por isso, eles (paulistas) não elegeriam Alckimin pela quarta vez, não elegeriam Mafuf e LTDA.

A verdade é que essas pessoas, principalmente os paulistas, (não todos), mas a grande maioria, pensa que tem o rei na barriga, que são superiores. Desculpem-me, mas devo informá-los que vocês não são superiores. Vocês são exatamente como nós: pobres, mulatos, brancos, negros, classe média, alta e tudo mais. A diferença é que não desperdiçamos nosso valioso tempo para insultar quem quer que seja. 

A diferença é que trabalhamos muito, o tempo que sobra nós usamos para estar com pessoas que nos fazem bem, o tempo que sobra usamos para ler, para estudar, para nos divertimos. E é por isso que não fazemos discursos de ódio, a vida é curta e não nos sentimos superiores a ninguém. 

Sou afrodescendente, pobre, nordestina e não sou beneficiada por nenhum programa do governo, graças a Deus não necessito, mas fico feliz em ver tanta gente tendo essa assistência, dei aula para o Pronatec, e pude ver de perto o quanto um programa como esse é importante, salas de aula lotadas de gente querendo aprender, querendo ter um futuro melhor, querendo não ter que depender de programas assistenciais.

sábado, 23 de agosto de 2014

Haicai #32

O haicai é meu
Eu faço como quiser
seu Zé mané!





Perdoem-me, mas as vezes é preciso um pouco de acidez!

Conheço as regras do haicai, mas não me prendo a elas, muito menos limito-me a escrever apenas relacionando-o à natureza. Cada pessoa é livre para escrever o que quer da forma que quiser. E eu escrevo haicai sobre qualquer tipo de assunto, porque assim o quero. 

Tatiane Alcantara

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A espetacularização da morte



Hoje vi algumas reportagens sobre o velório do presidenciável Eduardo Campos. Não pude evitar a indignação em ver várias pessoas fazendo Selfie junto ao caixão. Qual a finalidade disso? Não sei.
Não basta a selfie, tem que dar um sorriso também. Foi-se o tempo que velório era lugar só de lágrimas e lamúrias. Virou espetáculo. A morte  tornou-se um grande espetáculo.
As pessoas ligam seus televisores ao meio dia para ver aqueles telejornais que mais cultuam a morte do a notícia em si. Se um acidente acontece na BR, engarrafa os dois lados, o lado do acidente, e o lado oposto, pois os carros passam desfilando para poder ver o morto e todo sangue que escorre dele. É a espetacularização da morte.
Voltando ao assunto Eduardo Campos, se fizermos uma pesquisa e perguntamos qual o nome das outras vítimas, uma parcela mínima saberá responder. Tanto os jornais de TV quanto os impressos e Internet, noticiaram, que o avião com o candidato a presidente caiu e 7 pessoas morreram. Ou melhor, morreram Eduardo Campos e mais seis pessoas. Sim, e quem são essas seis pessoas? Nomes? O que fazem? Porque estavam no avião? Não interessa, só interessa saber que o candidato a presidente morreu. Obviamente que pela posição que exercia de homem público e político, sua exposição era muito maior, mas a dor das famílias não é menor pelo fato dos outros seis não serem figuras públicas. 
Um acidente de avião é algo catastrófico, e quando acontece assim dentro de uma cidade, a catástrofe é ainda maior, graças a Deus ninguém em terra morreu. Um acidente com essas proporções causa muita comoção e quando envolve uma figura pública, a catástrofe é ainda maior?

Não consigo entender porque as mortes de transito não causam tanta comoção, como as dezenas e dezenas de pessoas assassinadas diariamente, não causam tanta comoção. É a espetacularização da morte, nós estamos acostumados com a morte. Virou algo rotineiro, e o tempo todo nos deparamos com ela, mas morrer é algo pelo qual ninguém pode fugir, isso é natural. Vai acontecer. O que não dá para acostumar é com a morte estúpida, por motivos banais. Não dá para se acostumar com jovens morrendo por causa de um celular, não dá para se acostumar com um irresponsável que mata outro com seu carro depois de ingerir bebidas alcoólicas etc. Não dá para se acostumar com um mundo que cultua a autoimagem. O anonimato é para poucos, hoje o que vale e o que interessa, é a superexposição a qualquer custo, nem que seja à beira de um caixão.

Obs: Nome das vítimas do acidente

Alexandre Severo Gomes e Silva, fotógrafo
Carlos Augusto Ramos Leal Filho, assessor
Eduardo Henrique Acioly Campos, candidato à Presidência
Geraldo Magela Barbosa da Cunha, piloto
Marcos Martins, piloto
Marcelo de Oliveira Lyra, cinegrafista
Pedro Almeida Valadares Neto, assessor de campanha e ex-deputado federal
Fonte: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/08/veja-lista-de-mortos-no-acidente-de-aviao-que-matou-eduardo-campos.html


Tatiane Alcantara

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Memória II

Encontrei por acaso uma querida amiga que não via a algum tempo. Por alguns bons minutos ficamos paradas conversando e tentando aproveitar o máximo aquele pequeno tempo para colocarmos o papo em dia. Mas quem disse que o tempo foi suficiente? Mas isso não é o X da questão, o X, é quando encontramos pessoas, que não importa quanto tempo demore sem ver ou falar, parece que falamos todos os dias. Isso é muito bacana, renova as energias. Posso contar no dedo as amizades que tenho, mas todas elas são de uma importância enorme. 


Tatiane Alcantara

Devaneios I

Essa semana estava no shopping center, não para fazer compras, ou olhar vitrines, mas porque era caminho para o meu destino: O centro da cidade do Salvador. Andando em passos largos e impaciente pelo andar mais que vagaroso das pessoas que essas sim, passeavam pelo shopping, vi uma cena que me chamou a atenção: uma jovem, (não era adolescente) sentada numa dessas lanchonetes famosas de fast food, tira uma foto da bandeja com o sanduíche e o refrigerante e posta em uma rede social, em seguida, vira de costas para a lanchonete e faz uma Selfie. Não, eu não parei para bisbilhotar o que a criatura fazia, mas era impossível não notar a ação, já que a intenção dela era justamente que todos vissem o que ela fazia. E sim, eu vi que ela postou em uma rede social, porque o celular dela é desses que mais parece uma televisão. Qualquer um vê o que a pessoa está fazendo. 

Isso é uma grande bobagem, não sei porque parei e fiquei refletindo sobre isso, o porque dessa exposição toda, ou melhor dessa necessidade de exposição, de mostrar e dizer a todo momento o que está fazendo. Não sei porque fiquei me perguntando o quão vazia essas pessoas são, ou seria eu a pessoa de mente ou coração vazio? Não sei, só sei que não pertenço a esse mundo de agora, não me vejo nesses modismos, não me atraio por coisas tão banais. 
Ou então das duas uma: ou eu definitivamente sou louca por dedicar um pequeno tempo para escrever sobre alguém anônimo, ou sou uma desocupada. 
Como não sou desocupada, só posso ser louca. 


Tatiane Alcantara

terça-feira, 8 de julho de 2014

Um gosto muito amargo

O problema não foi a derrota. Derrota faz parte de qualquer esporte. Apesar de torcer muito pela seleção, eu imaginava que o jogo seria muito duro e que provavelmente a Alemanha venceria por um motivo muito óbvio: A seleção alemã é muito superior a qualquer outra seleção atualmente. É um time compacto, organizado e extremamente forte em todos os setores dentro de campo. Eles começaram a se organizar desde a derrota para Brasil em 2002, e naquela época já tinha uma boa seleção. Em 2006 e 2010, foi terceira colocada. Essa seleção de 2014, é a mesma seleção de 2010, que foi trabalha, preparada para ser campeã aqui no Brasil. Pode ser que não seja campeã, mas tem tudo para ser. Tem tudo para ser, porque trabalhou, planejou, formou seus jogadores. Temos isso aqui no Brasil? Não temos. É lamentável. É triste, e para quem gosta muito de futebol, é doloroso ver a seleção ser derrotada dessa forma. E não foi humilhada, porque a Alemanha não quis humilhar. Se não houver trabalho, planejamento, preparação, estruturação, o futebol brasileiro pode sofrer uma decadência jamais imaginada. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

# Ajude a Sofia

Vamos ajudar gente, sabemos da improcedência de vários pedidos, mas esse caso é real. Essa menina recebeu um não do governo brasileiro, mesmo a justiça determinando que o governo pague o transplante nos EUA. Então se cada um ajudar com qualquer valor, certamente ela vai sobreviver.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Agonília - Achiles Neto

Agonília - Achiles Neto e Marcus Marinho

Belíssimo vídeo de Achiles Neto. 
Essa música me arrepia a alma. 
Agonilia é uma música que já ganhou muitos prêmios pela sensibilidade em sua letra e pela marcante interpretação de Achiles Neto que há muito deixou de ser uma promessa da música brasileira e já é uma realidade. Com uma expressão corporal, e voz marcante, é sem dúvida nenhuma uma das melhores coisas que já ouvi nos últimos anos. Seu disco Pandora, inteiro, é uma obra de arte. É alimento e acalanto para minha alma. 


sábado, 7 de junho de 2014

Xico Buark

Clarice Lispector entrevista Chico Buarque/Xico Buark

Esta grafia, Xico Buark, foi inventada por Millôr Fernandes, numa noite no Antônio’s. Gostei como quando brincava com palavras de crianças. Quanto ao Chico, apenas sorriu um sorriso duplo: um por achar engraçado, outro mecânico e tristonho de quem foi aniquilado pela fama. Se Xico Buark não combina com a figura pura e um pouco melancólica de Chico, combina com a qualidade que ele tem de deixar os outros o chamarem e lê vir, com a capacidade que tem de sorrir conservando muitas vezes os olhos verdes abertos e sem riso.

Ele não é de modo algum um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e sempre jovem que se chamasse Garoto, Francisco Buarque de Holanda seria da raça montanhesa dos garotos.

Marcamos encontro às quatro horas porque às cinco Chico tinha uma lição de música com Vilma Graça. Há um ano está estudando teoria musical e agora começará com o piano. Estávamos os dois na minha casa e a conversa transcorreu sem desentendimentos, com uma paz de quem enfim volta da rua.

Clarice Lispector: Você viveu ainda tão pouco que talvez seja prematuro perguntar-lhe se você teve algum momento decisivo na vida e qual foi?

Chico Buarque de Hollanda: Eu sou ruim para responder. Na verdade tive muitos momentos decisivos, mas creio que ainda sou moço demais para saber se eram de fato decisivos esses momentos. No final de contas não sei se eles contaram ou não.

CL: Tenho a impressão que você nasceu com a estrela na testa: tudo lhe correu fácil e natural como um riacho de roça. Estou certa se para você não é muito laborioso criar?

CBH: E não é. Porque às vezes estou procurando criar alguma coisa e durmo pensando nisso, acordo pensando nisso – e nada. Em geral eu canso e desisto. No outro dia a coisa estoura e qualquer pessoa pensaria que era gratuita, nascida naquele momento. Mas essa explosão vem do trabalho anterior inconsciente e aparentemente negativo. E como é seu trabalho?

CL: Vem às vezes em nebulosa sem que eu possa caracterizá-lo de algum modo. Também como você, passo dias ou até anos, meu Deus, esperando. E, quando chega, já vem em forma de inspiração. Eu só trabalho em forma de inspiração.

CBH: Até aí eu entendo, Clarice. Mas a mim, quando a música ou a letra vem, parece muito mais fácil de concretizar porque é uma coisa pequena. Tenho impressão de que se me desse idéia de construir uma sinfonia ou um romance, a coisa ia se despedaçar antes de estar completa.

CL: Mas Chico, aí é que entra o sofrimento do artista: despedaça-se tudo e a gente pensa que a inspiração que passou nunca mais há de vir.

CBH: Se você tem uma idéia para um romance, você sempre pode reduzi-lo a um conto?

CL: Não é bem assim, mas, se eu falar mais, a entrevistada fica sendo eu. Você, apesar de rapaz que veio de uma grande cidade e de uma família erudita, dá a impressão que se deslumbrou, deslumbrando os outros com sua fala particular. O que quero dizer é que você, ao ter crescido e adquirido maior maturidade, deslumbrou-se com as próprias capacidades, entrou numa roda-viva e ainda não pôs os pés no chão. Que é que você acha: já se habituou ao sucesso.

CBH: Tenho cara de bobo porque minhas reações são muito lentas, mas sou um vivo. Só que por os pés no chão no sentido prático me atrapalha um pouco. Tenho, por exemplo, uma pessoa que me explica um contrato e não consigo prestar atenção em certas coisas. O sucesso faz parte dessas coisas exteriores que não contribuem nada para mim. A gente tem a vaidade da gente, a gente se alegra, mas isso não é importante. Importante é aquele sofrimento com que a gente procura buscar e achar. Hoje, por exemplo, acordei com um sentimento de vazio danado porque ontem terminei um trabalho.

CL: Eu também me sinto perdida depois que acabo um trabalho mais sério.

CBH: Tenho uma inveja: meu trabalho de música está exposto a um consumo rápido e eu praticamente não tenho o direito de ficar pensando numa idéia muito tempo.

CL: Talvez você ainda mude. Como é que Villa-Lobos criava? Seria interessante para você saber.

CBH: Sei alguma coisa. Por exemplo, uma frase dele que Tom Jobim me contou: diz que Villa-Lobos estava um dia trabalhando na casa dele e havia uma balbúrdia danada em volta. Então o tom perguntou: como é, maestro, isso não atrapalha? Ele respondeu: o ouvido de fora não tem nada a ver com o ouvido de dentro. É isso que invejo nele. Gostaria muito de não ter prazo para entrega das músicas, e não fazer sucesso: você gostaria, por exemplo, de sair para a rua e começar a dar autógrafo no meio da rua mesmo?

CL: Detestaria, Chico. Eu não tenho, nem de longe, o sucesso que você tem, mas mesmo o pequeno que eu tenho às vezes me perturba o ouvido interno. 

CBH: Então estamos quites

CL: Todas as mães com filhas em idade de casar consentiriam que casassem com você. De onde vem esse ar de bom rapaz? Acho, pessoalmente, que vem da bondade misturada com bom-humor, melancolia e honestidade. Você também tem o ar de quem é facilmente enganado: é verdade que você é crédulo, ou está de olhos abertos para os charlatões?

CBH: Não é que eu seja crédulo, sou é muito preguiçoso.

CL: O que é que você sentiu quando o maestro Karabtchevsky dirigiu “A Banda” no Teatro Municipal?

CBH: Claro que gostei, mas o que me interessa mesmo é criar. A intenção de Karabtchevsky foi das melhores, inclusive corajosa. Eu quero ver ainda a coisa se repetir com outros compositores populares.

CL: Você foi precoce em outras manifestações da vida? Fale sem modéstia.

CBH: Não, tudo que fiz como garoto é de algum modo ligado com o que eu faço hoje, isto é, versinhos.

CL: Você quer fazer um versinho agora mesmo? Para você não se sentir vigiado, esperarei na copa até você me chamar.

Chico riu, eu saí, esperei uns minutos até ele me chamar e ambos lemos sorrindo:

Como Clarice pedisse
Um versinho que eu não disse
Me dei mal
Ficou lá dentro esperando
Mas deixou seu olho olhando

Com cara de Juízo Final. 

CL: A banda lembra música de nossos avós cantarem: tem um ar saudoso e gostoso de se abrir um livro grosso e encontrar dentro uma flor seca guardada exatamente para durar. De onde você tirou essa modinha tão brasileira? Qual a fonte de inspiração?

CBH: Não sei não, é uma coisa difícil de conscientizar. Lembro da banda mesmo não tendo vivido no interior, mas atrás da minha casa tinha um terreno baldio onde às vezes havia circo, parque de diversões, essas coisas.

CL: Vi você na primeira passeata pela liberdade dos estudantes. Que é que você pensa dos estudantes do mundo e do Brasil em particular?
Chico Buarque na passeata contra a repressão na ala dos artistas

CBH: No mundo é para mim difícil falar, mas aqui no Brasil eu sinto em todos os setores um apodrecimento e a impossibilidade de substituição senão por mentalidade completamente jovens e ainda inatingidas por essa podridão. Aqui no Brasil só vejo esta liderança. Um rapaz do “New York Times” entrevistou-me e perguntou: está bem, vocês não querem censura nem repressão nem os métodos arcaicos de educação: mas se vocês ganharem, quem vai substituir as autoridades? Por incrível que pareça, o mundo político está envolvido por essa decadência e acomodação. E você? Eu também te vi na passeata.
                                   Ala dos intelectuais, com Clarice Lispector, Oscar Niemayer, Milton Nascimento, etc.

CL: Fui pelos mesmos motivos que você. Mudando de assunto, Chico, você já experimentou sentir-se em solidão? Ou sua vida tem sido sempre esse brilho tão justificado? Chico, um conselho para você: fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

CBH: Também acho e sempre que posso faço a minha retirada.

CL: Na música chamada clássica, apesar dela englobar compositores aos quais o classicismo não poderia ser aplicado, nessa música o que você prefere?

CBH: Aí não é questão de preferência, é costume para mim. Tenho sempre à mão um Beethoven.

CL: Sua família preferia que você seguisse a vocação de outros talentos seus que em aparência, pelo menos, são mais asseguradores de um futuro estável?

CBH: No começo sim. Logo que entrei para a arquitetura, quando comecei a trocar a régua “T” pelo violão, a coisa parecia vagabundagem. Agora (sorri) acho que já se conformaram.

CL: Você está compondo agora alguma coisa e com letra sua mesma? Sua letra é linda.

CBH: Estou na fase de procura. Ontem acabei um trabalho que era só de música, que exigia prazo. Para uma canção nova, eu estou sempre disponível.

CL: No domínio da música popular, quem seria por sua vez o seu ídolo?

CBH: Muitos, e é por isso que é difícil citar.

CL: Seu pai é um grande pai. Quem mais na sua família eu chamaria de grande, se conhecesse?

CBH: Minha mãe, apesar de ter um metro e cinqüenta e poucos de altura. Eu li muito e papai sempre me estimulava nesse sentido.

CL: Qual é a coisa mais importante do mundo?

CBH: Trabalho e amor.

CL: Qual é a coisa mais importante para você, como indivíduo?

CBH: A liberdade para trabalhar e amar.

CL: O que é o amor?

CBH: Não sei definir, e você?

CL: Nem eu.

**************************
In LISPECTOR, Clarice. Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, pp.99-104.


# Miniconto 5 - A virgem

Ela era virgem.
Bastava falar no assunto, que ficava toda nervosa. As bochechas coravam. Sabe como é né? Menina do interior, que vem para capital, e mora sozinha...
Mas era desinibida, falava do assunto com a maior naturalidade. Como era espontânea. Nem todas as meninas virgens falam abertamente sobre sexo. Muito menos sobre os seus desejos. Mas ela era diferente, não estava nem aí. Falava mesmo. E como falava.
Ela sonhava. E como sonhava, fantasiava com seus possíveis pretendentes. Até parecia cansada. Certamente, o sonho fora movimentado.
Certa vez ela se deparou com o livro Luxúria - A casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Quando soube do enredo, logo se interessara. E lá foi ela com Luxúria embaixo do braço.
Dias depois, ao devolver o livro, foi logo avisando da possibilidade de ter sujado alguma página. E riu, descaradamente. Era a própria Norma Lúcia encarnada! 
Em seu aniversário, um grupo de amigas, preocupadas com sua falta de atividade sexual, resolveu a presentear com um vibrador em formato de órgão sexual masculino. Foi uma hilária saga para escolher o objeto mais adequado para uma criatura tão sedenta.
Ao abri o embrulho e se deparar com a coisa tão de perto, tão ao seu alcance, ficou nervosa, foi tomada por uma longa e interminável crise de risos. A bochecha, não estava mais corada, estava em chamas. Passou a imaginar como seria o seu encontro com o tão sonhado objeto.

Permaneceu Virgem por um longo tempo, pois em sua ingenuidade, temia perder a virgindade com um órgão sexual masculino de borracha. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Memória - 1 Manga verde com sal


Minha infância teve gostos. Um deles é o de manga verde com sal. Ah como era bom aquele gosto. Tempos de ouro em que minha maior diversão, era sair da escola e no caminho para casa, atacar os pés de manga que encontrava pelo caminho. Andava armada de pedras e pedaços de pau. Os donos das casas dos pés de manga, nem brigavam mais, acho que no fundo eles até agradeciam, pois não tinham muito o que fazer com tantas mangas. Alguns até já deixavam as mangas prontas, nos esperando para serem levadas. Mas eu não gostava não, pois o gostoso, era arranca-las do pé. Os dentes, coitados, sofriam horrores, beber água gelada e tomar café era um problema sério. Minha tia não entendia muito bem o porque o sal acaba tão depressa. Esse gosto de manga verde com sal, ainda hoje está impregnado em mim, mas hoje, vendo como é a infância, percebo, que na verdade, esse gosto que ainda sinto, é o gosto da infância. 
Andar descalça, ralar o joelho, ser encarreirada pelos vizinhos, sujar-se...
Tudo isso é o retrato da infância. 
E só quem teve isso, é capaz de entender o que é uma infância feliz.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

# Miniconto 4 - O feio e delicado, a paixão e o ódio efêmero

Mas era feio. Uma criatura magra, com uma cabeça desproporcional ao resto do corpo e com sorriso característico. Muitos dentes! Como eram alegres aqueles dentes.
Mas o que eram todos esses adjetivos, diante da beleza daquela delicada pessoa. Aonde chegava, era querido. E capaz de despertar paixões das mais calorosas. Gente muito boa. Muito boa mesmo.
E não é que ela se apaixonou! Joana suspirava. Bastava pronunciar o nome do ditocujo, e parecia flutuar. E sonhava! Lá pelas tantas, a coisa progrediu. Pronto, encontro marcado.
Joana se preparou toda, cabelo escovado, maquiagem, suspense, tensão. Horas depois... ódio.
O ditocujo não apareceu.
– Bicho feio! 
– Nunca mais você vai ouvir falar de mim.
Desculpa vai, desculpa vem, e a doçura do ditocujo a fez esquecer este amargo episódio. E voltou a suspirar, a sonhar. Pronto, estava apaixonada de novo. Afinal, imprevistos acontecem né! Estava perdoado. E como prova, um novo encontro fora marcado, desta vez com a certeza de que tudo sairia como combinado.
Joana se preparou toda, cabelo escovado, maquiagem, suspense, tensão. Horas depois... ódio.
O ditocujo não deu às caras.
- Seu bicho feio! Quem guenta com esse seu dente de coelho? Meu Deus que insanidade, me apaixonei pela cara da necessidade. Não entendo. Como pude cair nessa sua conversa de malandro horrendo?
- Nunca mais você via ouvir falar de mim. Ah, mas eu juro que nunca mais você vai ouvir falar de mim!
- Este dia, estou certa que vem. Seu cretino, acidente de trem.
- E tem mais... não será feliz jamais.
- Mas não fique triste, pois uma coisa é maneira: Ah meu caro, feiura, é um bem que você tem para vida inteira.
E resignou-se em ser apenas uma boa amiga, e apesar de todos os adjetivos atribuídos ao ditocujo, Joana continuou suspirando por um bom tempo.

terça-feira, 3 de junho de 2014

# Miniconto 3


Perigo! Avisa a placa mais à frente.

Todos que passavam ficavam receosos e desviavam-se do caminho do perigo.  Ninguém queria correr o risco.

Mas que perigo?

Não se sabia.

Num determinado momento um homem atravessou a linha da placa. Lá de trás, outro lhe grita:

- Hei, você não viu a placa de perigo?

Ele responde: - Não.

E segue em frente.

Que mal pode haver em uma placa?  Pergunta-se ele.

Mais à frente uma segunda placa avisa: Cuidado, ao entrar por esta rua, periga você nunca mais querer sair. Aqui todos são gentis, amigos e aconchegantes.

Ele então entra à rua e sorri.


Enfim, sentiu-se em casa.


Tatiane Alcantara

Clariceando

Estou clariceando
mergulhada à profundidade 
de palavras e pensamentos
estou lispectoriando
à procura de mim mesma.



Tatiane Alcantara

terça-feira, 27 de maio de 2014

Lei da palmada e suas contradições


  • Uma criança não pode mais levar uma palmada, pois há um sério risco de ocorrer até mesmo a prisão do autor da palmada.
  • Uma criança não pode levar uma palmada, porque pode ser considerada uma humilhação. Ora, humilhação é o que as crianças passam diariamente nas escolas que não possuem estrutura, não tem merenda, não tem saneamento básico, não tem moradia decente, não tem absolutamente nada, a única coisa que elas têm, são os pais que fazem o possível, para educá-las sem auxilio nenhum do governo, inclusive usando a palmada para que elas entendam o que é certo e o que é errado.
  • O adolescente não pode levar uma palmada, mas ele pode sair por aí, roubando, matando, e roubando e matando de novo, já que não há punição para eles.


A pior e mais absurda de todas as contradições:
  • Uma criança não pode levar uma palmada, mas pode ser brutalmente assassinada no ventre de sua genitora (o uso da palavra genitora foi proposital, visto que uma mãe, jamais mataria seu filho).
  • E para terminar, muitos adolescentes estão cometendo crimes, porque tem a certeza da impunidade, eles já têm essa consciência, a maioria inclusive, debocha quando são pegos, porque sabem que em seguida estarão livres novamente, pois são amparados por uma lei retrograda e por um estatuto da criança e do adolescente completamente falho.


Todos os adultos hoje, que levaram uma palmada quando criança, certamente sabem, que a única intenção de seus pais foi de corrigi-los, e muitos até agradecem, pelas palmadas. O diálogo na maioria das vezes resolve, mas muitas vezes, é preciso ser mais enérgico. Inclusive, o castigo, como por exemplo: ficar sem brinquedos, ficar sem assistir o desenho preferido, ficar sem brincar com os amiguinhos, pode ser muito mais doloroso que qualquer palmada.


Qualquer tipo de violência deve ser repudiado, mas não se pode comparar uma palmada corretiva, com uma agressão física. Uma palmada está longe de ser agressão física.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Noites Brancas

São noites brancas
em São Petersburgo
O ar primaveril
acalenta-me a alma

São noites brancas
em São Petersburgo
a noite brilha para todos
de uma maneira diferente

Sinto o calor
do amor que ficou
ouço o sorriso, a respiração
são tantas as lembranças
todas brancas
como noites brancas.


Tatiane Alcantara

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Diálogo de uma pessoa só

Tanta gente ao meu redor, e estou só.
É que agora as gentes estão vidradas em suas telas quadradas.
As mentes deram espaço às pontas dos dedos que ágeis digitam letras minúsculas numa minuscula tela de smartphone. Periga essas gentes desaprenderem a falar. Afinal, aquilo que não se pratica muito, acaba no esquecimento. Não, eu não quero WhatsAppear.

Tatiane Alcantara

terça-feira, 22 de abril de 2014

Amar...

Amar,
é quando falta o ar.
É não conseguir dormir,
é ter o que sonhar.
Amar, é entregar-se,
é doar-se,
é devanear.
E a dor que o amor causa,
é a mais gostosa de se ter.
Eu quero essa dor,
por mais que doa esse doer.


Tatiane Alcantara

terça-feira, 15 de abril de 2014

Torcer ou não torcer, eis a questão

         Muito se tem discutido sobre os gastos com a copa do mundo. Sabe-se que o valor é gigantesco. Historicamente, nunca se viu o governo brasileiro (e não adianta dizer que é só dinheiro privado que sabemos ser mentira) gastar tal valor, em coisas essenciais, os quais todos nós já estamos cansados de saber que são primordiais à vida: saúde, educação, moradia, emprego etc. Bate-se sempre na mesma tecla. E ainda assim, temos todos os problemas envolvendo esses setores. Os problemas, existem, desde que o Brasil é Brasil, e sempre existirão. É perfeitamente compressível que as pessoas agora estejam inflamadas, e se posicionando contra a copa do mundo. Uma coisa eu tenho certeza, se o Brasil não estivesse sediando a copa, esses problemas não seriam menores. Isso é fato. Há um jogo político por traz de tudo isso. 
        O Brasil se não me engano, atualmente é a sexta economia mundial e ficou em penúltimo lugar no ranking mundial de educação realizado pela Economist Intelligence Unit (EIU) ficando na frente somente da Indonésia. Como um país que tem a sexta economia do mundo está em penúltimo lugar na educação? Reflitamos: “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. O que as pessoas devem fazer, é dar a resposta nas eleições. Temos muitas figurinhas carimbadas no cenário político, sempre elegemos os mesmos. É hora de fazer uma limpeza, e eleger novas caras, lembrando sempre de pesquisar a bibliografia dos indivíduos políticos.  
        Agora falando apenas e tão somente por mim, vou encarar os fatos. A copa vai acontecer, de uma forma ou de outra. Eu sou amante do futebol. E vou torcer pela seleção brasileira. Vou torcer pelas seleções que gosto. Vou torcer pelo espetáculo do futebol. Vou torcer para que tudo aconteça na mais perfeita paz. E tenho certeza que todos esses que estão se posicionando contra, vão comemorar quando a seleção brasileira fizer um gol. 




Tatiane Alcantara

sábado, 12 de abril de 2014

Livros - Por Caetano Veloso


Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

#MiniConto 2 - Doce Rosa

Mia. Era uma menina muito meiga, alegre e adorava brincar.
Mia só tinha um problema: não gostava de comer.
O horário do almoço era algo digno dos contos de Edgar Allan Poe, tinha personagens, enredo, bichos e ruídos que causavam medo. Funcionava assim: A avó de Mia, uma doce Rosa, ia para o quintal da casa, e acompanhando a narrativa de quem alimentava Mia, fazia os efeitos acontecerem. Pedras no telhado, sons de bichos, galhos, e tudo que possa imaginar. A doce Rosa era uma figura. Um doce de pessoa.  
A narrativa comia solta, e a cada frase, a cada som que ouvia vindo do quintal, correspondia a uma colher de comida que Mia comia.
No final da narrativa, o prato de Mia estava praticamente vazio. Comera: carne, feijão, arroz e farinha.
No dia seguinte, ao perguntar a Mia o que ela queria comer, ela respondia: 

- minha avóooo, quero carne, feijão, arroz e farinha. 

E assim novamente se iniciava toda a tramoia construída para que Mia, se alimentasse.

Mia era feliz, fazia algo que não gostava de fazer, sem precisar que gritassem com ela, sem precisar que batessem nela. Apenas com a inteligência da doce Rosa, que no alto de sua sabedoria, sabia driblar todas as adversidades da vida.


Por Tatiane Alcantara

Para vovó Rosa, que era minha avó de coração.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

#MiniConto 1 - Na calada da noite

Era por volta de três da manhã.
Acompanhada de seus amigos, companheiros, de risos, cafés, CDs de Caetano, Chico, Los Hermanos e tantos outros, vindos de um show fanta laranja, cantando pelas ruas, madrugada à dentro. 
Na calada da noite, no silêncio que só a noite proporciona, eles, seus amiguinhos, são os únicos que ao avistar aquele grupo barulhento, rompendo o silêncio, parece de fato entender o quão bonita é a escuridão. 

- Meus amiguinhos! Grita ela, sob o efeito de várias latas de Smirnoff ice.

- Os brasileiros não sabem como tratar a sua gente! 

Grita a outra, num idioma que chegava muito próximo do espanhol, e que naquele momento todos tinham a certeza que era espanhol. E eles sorridentes, retribuem com sorrisos e buzinas. 

- O que seria das ruas sem os lixeiros? Grita ela.

E foi assim que nasceu uma amizade que dura até hoje. Onde quer que ela vá, tem sempre um lixeiro que lhe sorri, ou que buzina lhe chamando a atenção. E desde então, ela olha para essa gente com olhar terno, de quem reconhece o quão duro, desvalorizado, e discriminado é o seu trabalho. E o que é mais intrigante, é que sem eles, todos, sem exceção, viveriam num lixão. E mesmo assim, são vistos com olhos diminutivos.


Acordemos. 

Por Tatiane Alcantara