terça-feira, 2 de junho de 2020

O mundo está ao contrário e ninguém reparou

Tempos difíceis. Tempos inimagináveis. Tempo em que bandeiras precisam ser erguidas e vozes ecoarem. O grito não pode mais ser solitário.
O que se vê hoje no Brasil é uma onda de fascismo disfarçado em conservadorismo. Fala-se em nome da família e de Deus.
Uma senhora em uma manifestação de rua em São Paulo, aos berros, vocifera palavras que não vale a pena reproduzir aqui. É uma cidadã de bem, branca, de classe média, armada com um taco de beisebol e vestindo uma camisa com os seguintes dizeres: “fascista é o c...da sua mãe”.
Foi gentilmente conduzida por um policial para que se afastasse dali. Foi gentilmente conduzida... enquanto que o menino João Pedro de 14 anos que brincava dentro de casa com os primos e amigos fora brutalmente assassinado. Um menino negro, morador do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro morto pelas costas em operação policial.
A cidadã de bem foi gentilmente conduzida, enquanto que Mariele(1)  e Anderson foram fuzilados. A propósito, quem mandou matar Mariele? A cidadã foi gentilmente conduzida enquanto que no Rio de Janeiro um policial aponta um fuzil para um manifestante negro. A cidadã foi gentilmente conduzida enquanto que Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos foi fuzilado “por engano” com 80 tiros... não foi 1, nem 2 nem 3, foram 80 tiros. E por engano segundo a polícia. É a pulsão pela morte, é o desejo de matar. É a pulsão pela morte do negro, é o desejo do extermínio do negro.
Clarice Lispector no Conto Mineirinho, narra com indignação a morte de um bandido com 13 tiros. E o porquê de 13 tiros? quando um ou dois poderiam bastar? Questiona Clarice em uma das últimas entrevistas que deu. Não é o desejo de justiça, é o desejo pela morte, pelo extermínio do povo preto.
“I can’t breathe”, gritava George Floyd morto asfixiado pela polícia de Minneapolis, em Minnesota, EUA. A Cena choca, faz doer a alma de qualquer pessoa que tenha o mínimo de humanidade. E o mundo assiste atônito um homem negro, já imobilizado, ser assassinado por asfixia.  O grito “ I can´t breathe que foi repetido exaustivamente por Floyd enquanto era sufocado por um policial branco ajoelhado em seu pescoço, ecoa em protestos pelos EUA.
Está difícil respirar, está cada vez mais difícil respirar. Será que o mundo está ao contrário e ninguém reparou(2) ? Será que a humanidade está vivendo o mundo invertido de Stranger Things(3) ? Estaria a terra em uma realidade paralela? Não há como afirmar. Isso é só uma especulação, uma tentativa frustrada de encontrar explicação para algo que é inexplicável.
O mundo inteiro neste momento tem um inimigo a ser combatido: Um vírus. O Covid 19 já matou mais de 375 mil pessoas no mundo inteiro. O Brasil, chegou ao número de 30 mil mortos, e agora é o olho do furacão. A recomendação é de distanciamento social, a OMS(4)  recomenda, a ciência recomenda o mundo inteiro sabe disso, mas aqui é só uma gripezinha. Tempo sombrio, mundo literalmente invertido.
Bandeiras precisam ser levantadas. Precisam definitivamente ser levantadas, e mais do que nunca o mundo precisa reconhecer e concordar com Angela Davis(5) , quando ela fala que “numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.
O mundo inteiro deve ecoar o grito de “I can’t breathe” de George Floyd e replicar a frase de Angela Davis:
Numa sociedade misógina, não basta não ser misógino, é preciso ser anti-misógino. Numa sociedade machista, não basta não ser machista, é preciso ser anti-machista. Numa sociedade fascista, não basta não ser fascista, é preciso ser antifascista.



(1) Mariele Franco – Vereadora do Rio de Janeiro que foi assassinada junto com o seu motorista Anderson em 14 de março de 2018
(2) Trecho da música Relicário de Nando Reis
(3) Série de televisão americana de ficção científica e terror
(4) Organização Mundial da Saúde
(5) Angela Davis é filósofa, professora emérita do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia e ícone da luta pelos direitos civis. Fonte: https://www.boitempoeditorial.com.br/autor/angela-davis-281


Tatiane Alcantara
Enviado por Tatiane Alcantara em 02/06/2020
Reeditado em 02/06/2020
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