segunda-feira, 16 de junho de 2014

# Ajude a Sofia

Vamos ajudar gente, sabemos da improcedência de vários pedidos, mas esse caso é real. Essa menina recebeu um não do governo brasileiro, mesmo a justiça determinando que o governo pague o transplante nos EUA. Então se cada um ajudar com qualquer valor, certamente ela vai sobreviver.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Agonília - Achiles Neto

Agonília - Achiles Neto e Marcus Marinho

Belíssimo vídeo de Achiles Neto. 
Essa música me arrepia a alma. 
Agonilia é uma música que já ganhou muitos prêmios pela sensibilidade em sua letra e pela marcante interpretação de Achiles Neto que há muito deixou de ser uma promessa da música brasileira e já é uma realidade. Com uma expressão corporal, e voz marcante, é sem dúvida nenhuma uma das melhores coisas que já ouvi nos últimos anos. Seu disco Pandora, inteiro, é uma obra de arte. É alimento e acalanto para minha alma. 


sábado, 7 de junho de 2014

Xico Buark

Clarice Lispector entrevista Chico Buarque/Xico Buark

Esta grafia, Xico Buark, foi inventada por Millôr Fernandes, numa noite no Antônio’s. Gostei como quando brincava com palavras de crianças. Quanto ao Chico, apenas sorriu um sorriso duplo: um por achar engraçado, outro mecânico e tristonho de quem foi aniquilado pela fama. Se Xico Buark não combina com a figura pura e um pouco melancólica de Chico, combina com a qualidade que ele tem de deixar os outros o chamarem e lê vir, com a capacidade que tem de sorrir conservando muitas vezes os olhos verdes abertos e sem riso.

Ele não é de modo algum um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e sempre jovem que se chamasse Garoto, Francisco Buarque de Holanda seria da raça montanhesa dos garotos.

Marcamos encontro às quatro horas porque às cinco Chico tinha uma lição de música com Vilma Graça. Há um ano está estudando teoria musical e agora começará com o piano. Estávamos os dois na minha casa e a conversa transcorreu sem desentendimentos, com uma paz de quem enfim volta da rua.

Clarice Lispector: Você viveu ainda tão pouco que talvez seja prematuro perguntar-lhe se você teve algum momento decisivo na vida e qual foi?

Chico Buarque de Hollanda: Eu sou ruim para responder. Na verdade tive muitos momentos decisivos, mas creio que ainda sou moço demais para saber se eram de fato decisivos esses momentos. No final de contas não sei se eles contaram ou não.

CL: Tenho a impressão que você nasceu com a estrela na testa: tudo lhe correu fácil e natural como um riacho de roça. Estou certa se para você não é muito laborioso criar?

CBH: E não é. Porque às vezes estou procurando criar alguma coisa e durmo pensando nisso, acordo pensando nisso – e nada. Em geral eu canso e desisto. No outro dia a coisa estoura e qualquer pessoa pensaria que era gratuita, nascida naquele momento. Mas essa explosão vem do trabalho anterior inconsciente e aparentemente negativo. E como é seu trabalho?

CL: Vem às vezes em nebulosa sem que eu possa caracterizá-lo de algum modo. Também como você, passo dias ou até anos, meu Deus, esperando. E, quando chega, já vem em forma de inspiração. Eu só trabalho em forma de inspiração.

CBH: Até aí eu entendo, Clarice. Mas a mim, quando a música ou a letra vem, parece muito mais fácil de concretizar porque é uma coisa pequena. Tenho impressão de que se me desse idéia de construir uma sinfonia ou um romance, a coisa ia se despedaçar antes de estar completa.

CL: Mas Chico, aí é que entra o sofrimento do artista: despedaça-se tudo e a gente pensa que a inspiração que passou nunca mais há de vir.

CBH: Se você tem uma idéia para um romance, você sempre pode reduzi-lo a um conto?

CL: Não é bem assim, mas, se eu falar mais, a entrevistada fica sendo eu. Você, apesar de rapaz que veio de uma grande cidade e de uma família erudita, dá a impressão que se deslumbrou, deslumbrando os outros com sua fala particular. O que quero dizer é que você, ao ter crescido e adquirido maior maturidade, deslumbrou-se com as próprias capacidades, entrou numa roda-viva e ainda não pôs os pés no chão. Que é que você acha: já se habituou ao sucesso.

CBH: Tenho cara de bobo porque minhas reações são muito lentas, mas sou um vivo. Só que por os pés no chão no sentido prático me atrapalha um pouco. Tenho, por exemplo, uma pessoa que me explica um contrato e não consigo prestar atenção em certas coisas. O sucesso faz parte dessas coisas exteriores que não contribuem nada para mim. A gente tem a vaidade da gente, a gente se alegra, mas isso não é importante. Importante é aquele sofrimento com que a gente procura buscar e achar. Hoje, por exemplo, acordei com um sentimento de vazio danado porque ontem terminei um trabalho.

CL: Eu também me sinto perdida depois que acabo um trabalho mais sério.

CBH: Tenho uma inveja: meu trabalho de música está exposto a um consumo rápido e eu praticamente não tenho o direito de ficar pensando numa idéia muito tempo.

CL: Talvez você ainda mude. Como é que Villa-Lobos criava? Seria interessante para você saber.

CBH: Sei alguma coisa. Por exemplo, uma frase dele que Tom Jobim me contou: diz que Villa-Lobos estava um dia trabalhando na casa dele e havia uma balbúrdia danada em volta. Então o tom perguntou: como é, maestro, isso não atrapalha? Ele respondeu: o ouvido de fora não tem nada a ver com o ouvido de dentro. É isso que invejo nele. Gostaria muito de não ter prazo para entrega das músicas, e não fazer sucesso: você gostaria, por exemplo, de sair para a rua e começar a dar autógrafo no meio da rua mesmo?

CL: Detestaria, Chico. Eu não tenho, nem de longe, o sucesso que você tem, mas mesmo o pequeno que eu tenho às vezes me perturba o ouvido interno. 

CBH: Então estamos quites

CL: Todas as mães com filhas em idade de casar consentiriam que casassem com você. De onde vem esse ar de bom rapaz? Acho, pessoalmente, que vem da bondade misturada com bom-humor, melancolia e honestidade. Você também tem o ar de quem é facilmente enganado: é verdade que você é crédulo, ou está de olhos abertos para os charlatões?

CBH: Não é que eu seja crédulo, sou é muito preguiçoso.

CL: O que é que você sentiu quando o maestro Karabtchevsky dirigiu “A Banda” no Teatro Municipal?

CBH: Claro que gostei, mas o que me interessa mesmo é criar. A intenção de Karabtchevsky foi das melhores, inclusive corajosa. Eu quero ver ainda a coisa se repetir com outros compositores populares.

CL: Você foi precoce em outras manifestações da vida? Fale sem modéstia.

CBH: Não, tudo que fiz como garoto é de algum modo ligado com o que eu faço hoje, isto é, versinhos.

CL: Você quer fazer um versinho agora mesmo? Para você não se sentir vigiado, esperarei na copa até você me chamar.

Chico riu, eu saí, esperei uns minutos até ele me chamar e ambos lemos sorrindo:

Como Clarice pedisse
Um versinho que eu não disse
Me dei mal
Ficou lá dentro esperando
Mas deixou seu olho olhando

Com cara de Juízo Final. 

CL: A banda lembra música de nossos avós cantarem: tem um ar saudoso e gostoso de se abrir um livro grosso e encontrar dentro uma flor seca guardada exatamente para durar. De onde você tirou essa modinha tão brasileira? Qual a fonte de inspiração?

CBH: Não sei não, é uma coisa difícil de conscientizar. Lembro da banda mesmo não tendo vivido no interior, mas atrás da minha casa tinha um terreno baldio onde às vezes havia circo, parque de diversões, essas coisas.

CL: Vi você na primeira passeata pela liberdade dos estudantes. Que é que você pensa dos estudantes do mundo e do Brasil em particular?
Chico Buarque na passeata contra a repressão na ala dos artistas

CBH: No mundo é para mim difícil falar, mas aqui no Brasil eu sinto em todos os setores um apodrecimento e a impossibilidade de substituição senão por mentalidade completamente jovens e ainda inatingidas por essa podridão. Aqui no Brasil só vejo esta liderança. Um rapaz do “New York Times” entrevistou-me e perguntou: está bem, vocês não querem censura nem repressão nem os métodos arcaicos de educação: mas se vocês ganharem, quem vai substituir as autoridades? Por incrível que pareça, o mundo político está envolvido por essa decadência e acomodação. E você? Eu também te vi na passeata.
                                   Ala dos intelectuais, com Clarice Lispector, Oscar Niemayer, Milton Nascimento, etc.

CL: Fui pelos mesmos motivos que você. Mudando de assunto, Chico, você já experimentou sentir-se em solidão? Ou sua vida tem sido sempre esse brilho tão justificado? Chico, um conselho para você: fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

CBH: Também acho e sempre que posso faço a minha retirada.

CL: Na música chamada clássica, apesar dela englobar compositores aos quais o classicismo não poderia ser aplicado, nessa música o que você prefere?

CBH: Aí não é questão de preferência, é costume para mim. Tenho sempre à mão um Beethoven.

CL: Sua família preferia que você seguisse a vocação de outros talentos seus que em aparência, pelo menos, são mais asseguradores de um futuro estável?

CBH: No começo sim. Logo que entrei para a arquitetura, quando comecei a trocar a régua “T” pelo violão, a coisa parecia vagabundagem. Agora (sorri) acho que já se conformaram.

CL: Você está compondo agora alguma coisa e com letra sua mesma? Sua letra é linda.

CBH: Estou na fase de procura. Ontem acabei um trabalho que era só de música, que exigia prazo. Para uma canção nova, eu estou sempre disponível.

CL: No domínio da música popular, quem seria por sua vez o seu ídolo?

CBH: Muitos, e é por isso que é difícil citar.

CL: Seu pai é um grande pai. Quem mais na sua família eu chamaria de grande, se conhecesse?

CBH: Minha mãe, apesar de ter um metro e cinqüenta e poucos de altura. Eu li muito e papai sempre me estimulava nesse sentido.

CL: Qual é a coisa mais importante do mundo?

CBH: Trabalho e amor.

CL: Qual é a coisa mais importante para você, como indivíduo?

CBH: A liberdade para trabalhar e amar.

CL: O que é o amor?

CBH: Não sei definir, e você?

CL: Nem eu.

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In LISPECTOR, Clarice. Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, pp.99-104.


# Miniconto 5 - A virgem

Ela era virgem.
Bastava falar no assunto, que ficava toda nervosa. As bochechas coravam. Sabe como é né? Menina do interior, que vem para capital, e mora sozinha...
Mas era desinibida, falava do assunto com a maior naturalidade. Como era espontânea. Nem todas as meninas virgens falam abertamente sobre sexo. Muito menos sobre os seus desejos. Mas ela era diferente, não estava nem aí. Falava mesmo. E como falava.
Ela sonhava. E como sonhava, fantasiava com seus possíveis pretendentes. Até parecia cansada. Certamente, o sonho fora movimentado.
Certa vez ela se deparou com o livro Luxúria - A casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Quando soube do enredo, logo se interessara. E lá foi ela com Luxúria embaixo do braço.
Dias depois, ao devolver o livro, foi logo avisando da possibilidade de ter sujado alguma página. E riu, descaradamente. Era a própria Norma Lúcia encarnada! 
Em seu aniversário, um grupo de amigas, preocupadas com sua falta de atividade sexual, resolveu a presentear com um vibrador em formato de órgão sexual masculino. Foi uma hilária saga para escolher o objeto mais adequado para uma criatura tão sedenta.
Ao abri o embrulho e se deparar com a coisa tão de perto, tão ao seu alcance, ficou nervosa, foi tomada por uma longa e interminável crise de risos. A bochecha, não estava mais corada, estava em chamas. Passou a imaginar como seria o seu encontro com o tão sonhado objeto.

Permaneceu Virgem por um longo tempo, pois em sua ingenuidade, temia perder a virgindade com um órgão sexual masculino de borracha. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Memória - 1 Manga verde com sal


Minha infância teve gostos. Um deles é o de manga verde com sal. Ah como era bom aquele gosto. Tempos de ouro em que minha maior diversão, era sair da escola e no caminho para casa, atacar os pés de manga que encontrava pelo caminho. Andava armada de pedras e pedaços de pau. Os donos das casas dos pés de manga, nem brigavam mais, acho que no fundo eles até agradeciam, pois não tinham muito o que fazer com tantas mangas. Alguns até já deixavam as mangas prontas, nos esperando para serem levadas. Mas eu não gostava não, pois o gostoso, era arranca-las do pé. Os dentes, coitados, sofriam horrores, beber água gelada e tomar café era um problema sério. Minha tia não entendia muito bem o porque o sal acaba tão depressa. Esse gosto de manga verde com sal, ainda hoje está impregnado em mim, mas hoje, vendo como é a infância, percebo, que na verdade, esse gosto que ainda sinto, é o gosto da infância. 
Andar descalça, ralar o joelho, ser encarreirada pelos vizinhos, sujar-se...
Tudo isso é o retrato da infância. 
E só quem teve isso, é capaz de entender o que é uma infância feliz.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

# Miniconto 4 - O feio e delicado, a paixão e o ódio efêmero

Mas era feio. Uma criatura magra, com uma cabeça desproporcional ao resto do corpo e com sorriso característico. Muitos dentes! Como eram alegres aqueles dentes.
Mas o que eram todos esses adjetivos, diante da beleza daquela delicada pessoa. Aonde chegava, era querido. E capaz de despertar paixões das mais calorosas. Gente muito boa. Muito boa mesmo.
E não é que ela se apaixonou! Joana suspirava. Bastava pronunciar o nome do ditocujo, e parecia flutuar. E sonhava! Lá pelas tantas, a coisa progrediu. Pronto, encontro marcado.
Joana se preparou toda, cabelo escovado, maquiagem, suspense, tensão. Horas depois... ódio.
O ditocujo não apareceu.
– Bicho feio! 
– Nunca mais você vai ouvir falar de mim.
Desculpa vai, desculpa vem, e a doçura do ditocujo a fez esquecer este amargo episódio. E voltou a suspirar, a sonhar. Pronto, estava apaixonada de novo. Afinal, imprevistos acontecem né! Estava perdoado. E como prova, um novo encontro fora marcado, desta vez com a certeza de que tudo sairia como combinado.
Joana se preparou toda, cabelo escovado, maquiagem, suspense, tensão. Horas depois... ódio.
O ditocujo não deu às caras.
- Seu bicho feio! Quem guenta com esse seu dente de coelho? Meu Deus que insanidade, me apaixonei pela cara da necessidade. Não entendo. Como pude cair nessa sua conversa de malandro horrendo?
- Nunca mais você via ouvir falar de mim. Ah, mas eu juro que nunca mais você vai ouvir falar de mim!
- Este dia, estou certa que vem. Seu cretino, acidente de trem.
- E tem mais... não será feliz jamais.
- Mas não fique triste, pois uma coisa é maneira: Ah meu caro, feiura, é um bem que você tem para vida inteira.
E resignou-se em ser apenas uma boa amiga, e apesar de todos os adjetivos atribuídos ao ditocujo, Joana continuou suspirando por um bom tempo.

terça-feira, 3 de junho de 2014

# Miniconto 3


Perigo! Avisa a placa mais à frente.

Todos que passavam ficavam receosos e desviavam-se do caminho do perigo.  Ninguém queria correr o risco.

Mas que perigo?

Não se sabia.

Num determinado momento um homem atravessou a linha da placa. Lá de trás, outro lhe grita:

- Hei, você não viu a placa de perigo?

Ele responde: - Não.

E segue em frente.

Que mal pode haver em uma placa?  Pergunta-se ele.

Mais à frente uma segunda placa avisa: Cuidado, ao entrar por esta rua, periga você nunca mais querer sair. Aqui todos são gentis, amigos e aconchegantes.

Ele então entra à rua e sorri.


Enfim, sentiu-se em casa.


Tatiane Alcantara

Clariceando

Estou clariceando
mergulhada à profundidade 
de palavras e pensamentos
estou lispectoriando
à procura de mim mesma.



Tatiane Alcantara