Ele desperta
ao som do alarme do seu celular, olha para o aparelho e confere: são 5 da
matina, senta-se à beira cama, espreguiça-se e boceja. Levanta, faz sua higiene
pessoal, toma o café da manhã e vai para o trabalho. No percurso, observa
atentamente o movimento frenético das ruas. São centenas de pessoas indo e
vindo, carros buzinando, ônibus lotados, cachorros latindo, pedintes por todo
lado. Um telão com imagens de futebol o chama a atenção. Apressa o passo e atravessa
a rua numa velocidade digna de um velocista.
Sua rotina é
pesada, durante seu expediente não para um minuto sequer e na hora do almoço,
come com a mesma rapidez com que atravessa a rua. Ao final do dia, Ele segue o
caminho de volta para casa. Ao adentrar a sala, abre as janelas, tira os
sapatos e joga-se no sofá. Pega o controle remoto e passeia pelos canais de TV,
vê um pouco de notícia, reclama do preço do gás e da energia, coloca no canal
de esportes para ver os comentários da última rodada do campeonato brasileiro,
come, toma banho e em seguida vai dormir.
Ele tem essa
rotina todos os dias, exatamente nesta mesma sequência, nada muda, e qualquer
possibilidade de algo diferente disso é motivo de pânico. A rotina é a certeza
de que nada em sua vida pode dar errado ou acabar com sua tranquilidade.
No prédio onde
mora, Ele entra e sai sem falar com ninguém e apenas dirige-se ao porteiro
quando pergunta se tem alguma correspondência para o seu endereço. Ele sempre
recebe uma carta, toda semana, no mesmo dia. E nesse dia não havia
correspondência. Estranhou.
Franziu a
testa, pediu que o porteiro olhasse mais uma vez, mas constatou-se que de fato
não havia nenhuma carta. Subiu ao apartamento com um ar de que algo muito ruim
poderia ter acontecido. Alguns minutos depois, o porteiro toca sua campainha,
pede desculpas, diz que se equivocou e entrega-lhe a carta.
Na manhã
seguinte ao passar pelo porteiro, percebe um olhar estranho e uma risada
tímida, louca para explodir. – Será que ele leu a minha carta? Indaga-se. E
passa o dia com aquilo na cabeça. As semanas foram passando e os risos cada vez
mais aumentando. Ele estava incomodado.
Dias se passaram
até que numa determinada manhã, alguns moradores fizeram queixa de que algo não
cheirava bem na garagem do prédio. O sindico e mais alguns moradores foram
verificar e ficaram atônitos ao acharem o corpo do porteiro dentro de uma sala
de ferramentas. Chamaram a polícia.
Foram dias e
mais dias de investigação, Ele estava alheio aos acontecimentos e seguia sua
rotina como se nada tivesse acontecido até que numa determinada manhã sua campainha
toca, o policial que estava fazendo as investigações diz que precisa fazer
algumas perguntas. Ele convida o policial para entrar. Após muitas perguntas,
todas com respostas negativas, ao despedir-se, o policial nota um envelope sob
a mesa. – Recebe carta com frequência? – Sim, respondeu ele.
O policial
aproxima-se do envelope, nota que a carta estava em branco e que apenas o
envelope continha o nome e o endereço do destinatário. Indaga-o: - No dia do sumiço
do porteiro, uma das crianças que brincava no play, disse-me que ele havia
subido para lhe entregar uma correspondência. O senhor provavelmente foi a
última pessoa a falar com ele.
– Eu o matei.
- O senhor o
matou? O senhor está de dizendo que matou o porteiro?
- Sim, eu o
matei.
- O Senhor o
matou por qual motivo?
- Ele lia minhas
correspondências.
- E o que é
que tinha nas suas correspondências para o senhor tê-lo matado?
Ele entrega as
cartas e o policial percebe que todas estava em branco.
- O senhor
recebe cartas em branco?
- Sim recebo.
- Mas então o
senhor José não leu suas cartas, não havia o que ler?
- Sim havia,
ele leu, leu todas as cartas, ele abria o envelope, fechava novamente e me
entregava. Todas as cartas, toda semana.
- Mas não
havia nada descrito, eram só folhas em branco!
- Isso mesmo,
eram só folhas em branco.
E seguiu algemado
para a delegacia sob os gritos de assassino dos demais moradores do prédio.
Por Tatiane Alcantara
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